terça-feira, 2 de junho de 2009

Dá-me.

Dá-me qualquer coisa que possa morder, qualquer que possa devorar quando me dá esta fome de te ter, de te desfazer, de enterrar os gritos da carne em ti, de te esmagar as formas entre o meu corpo e uma parede.
Dá-me qualquer coisa que possa morder, desejar, desfazer, foder, quando me dá esta fome e não estás ao alcance do meu corpo e sem saberes mo provocas até ao fim da exaustão, até me sentir rebentar.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Dor (escombro)

Comecei por torcer o pescoço, encostar o nariz aos ombros, os dentes à pele. Depois, fiz força e mordi, até entrar no território da carne, o sangue em fuga.
Mastiguei-me, senti cada osso a estalar-me entre os dentes, os tendões a separarem-se do corpo, os músculos fracos a despedirem-se do tronco.
Não me doeu absolutamente nada. Como me costumavam dizer em criança "não é dor, é impressão".
Foi à força da boca que me separei dos meus braços, um de cada vez, enquanto me cuspia o sangue e as entranhas.
Não os quero mais. Eles querem demasiado agarrar-te. Eu quero demasiado agarrar-te.
Matei-me os braços, que me caíram um a um no chão, para não poder não me despedir de ti.
Entende que não me faz impressão que nos separemos.
Dói-me.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Rasto.

Mostro-te dois dedos, e apenas dois.
Passo neles a língua. Sinto o meu sabor, a pele mais ácida do que esperava, fruto de suor, sabor a pensamentos sujos, crus, porque os pensamentos afinal também deixam marca no paladar.
Devagar, mostro-te o que a minha boca te quer fazer pelo corpo todo, com tempo. Vejo-te nos olhos a surpresa, a fome a nascer de repente, devoradora nesse brilho que tens na cara.

Deito-me sobre ti, a boca a centímetros da tua. Deixo que me sintas a respiração pesada, as palavras a adivinharem-se. Depois, muito lentamente, pouso os dedos em ti, e deixo que eles desenhem um rasto da minha saliva na tua pele. Começo nos teus lábios e desço, a sentir-te todos os poros, a despertar-te o corpo. Desenho-te o queixo, passo-os pelo teu pescoço e controlo a vontade de te apertar, de dar uma desculpa à tua boca para que solte enfim um gemido.
Continuo a descer, a ponta do indicador a desenhar o teu colo, o teu peito, cada fôlego teu a falar com a minha pele, directamente, sem intermediários. A tua pele e a minha, o teu corpo e o meu.

Só tu e eu.

Deixo-os descaírem pela tua virilha e sinto-te o corpo vibrar. Tenho tempo, gosto de te sentir o corpo assim, a tremer de ansiedade. Queres dizer alguma coisa, pedir? Não, não sou um animal... não, não escondo nada ao longo do dia. Sou só um homem, que te vê o fundo dos olhos e se sente tentado e livre para ceder aos instintos, totalmente, de uma única vez.

Faço-te esperar, entretenho-me à porta do teu corpo, a sentir-te cada esgar de ansiedade na cara.
E é então que entro em ti.

São dois dedos, uma fome inteira. Provocas-me com as tuas esperas, agora quero vingar-me. Quero deixar-me levar pelo ritmo que tenho guardado no corpo, só para ti. Se me sabes ler o olhar de cada vez que te olho, então já adivinhaste esta fome há muito tempo.
E é essa a fome que eu sacio agora, ao entrar em ti, os dedos com o sabor da minha boca a torcerem-se em ti, que me apertas, que me prendes no teu corpo. Sabes que te quero fazer gemer, que te quero ver os olhos em desespero, a brilhar de gritos mudos, sorrisos de carne, lascivos, devoradores. Não vou parar, quero deixar o meu corpo solto para abusar do teu.

Depois sim, é a tua vez. Deixo-te pedir o que quiseres.
Pede.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Do suor.

Há em mim um suor antigo que o meu corpo não consegue expulsar. Vive nas profundezas da minha carne, na mais funda e escondida parte de mim.
Tenho na pele rios escavados, secos de uma espera velha. Na boca, há palavras escritas num papel que já não existe. Repito-as todas as noites, vezes sem conta, numa raiva que a cada hora aumenta um pouco mais. Uma fome de vingança por ofensa nenhuma que me torna o corpo voraz e a mente cruel.
Há uma língua que se quer apertar em ti, torcer devagar em ti, transformar o teu corpo em algo tão maleável, tão ágil quanto ela. Uma doçura na voz que se derrete nos teus ouvidos, derrete-se de calor, de medo, de cansaço, de uma raiva que não consegue controlar.
Há em mim um suor antigo que o meu corpo não consegue expulsar, e hoje sinto-me afogado nele.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Palavras soltas.

Tu, fecha os olhos. Fecha-os, porque eu sei que os queres fechar.
Não tens de ler isto, ouvir, nem sequer sentir. Aqui, no sitio das palavras abandonadas, não existem ordens para serem cumpridas, da mesma forma que não há regras que possas quebrar. Guardo as palavras e a vontade do corpo até onde posso. Hoje tenho vontade de ti.
Relê o parágrafo anterior devagar.

Quero olhar-te nos olhos, com tempo. Procuro a parte de ti que adora sentir um homem a desejar-te, que gosta de provocar corpo e mente, insinuar para depois tirar com um sorriso.
Conheces bem as palavras, sabes ler nelas a temperatura do corpo de um homem. Responde só para ti: até onde vais para incendiar um corpo, deixá-lo sem controlo, à tua mercê de mulher que gosta de ser dominada por um corpo dominado?

É assim, no mais absoluto segredo (eu sei guardar um segredo, e tu?), que te prendo debaixo de mim, me liberto da Fome, da Raiva e deixo que os nossos corpos nos controlem.
Deve ser viciante, derreter-te a máscara de cristal em suor.
Abre a mente, o que eu quero fazer não conhece os limites do razoável.
Quero fazer o teu corpo contorcer-se, transformar o teu sorriso de anjo numa boca de mulher, que suspira, geme e pede num sussurro que arde.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

O pedido

A ti, que desejas este corpo sob a força das tuas ordens, mostro-te a boca com que me ordenas. São estes os lábios que vejo quando me torturas com as tuas esperas, quando libertas a minha fome de Homem à mercê das tuas provocações, dos teus jogos de sabores salgados, acres, viciantes. É esta a boca sussurrante ao meu ouvido, os lábios que falam as palavras que troçam do meu corpo tenso. Tão tenso como está agora, com a imagem do teu sorriso de predadora escondida a corroer-me a cabeça e a sanidade.
Tu, que és personagem de uma história entre histórias, tens a obrigação de saber que as histórias não se encomendam, não se pedem... mas corromper assim o corpo de um homem que escreve dá resultados bem mais interessantes, que vão muito para lá das meras palavras.
Pela força da imagem desta boca que agora é a tua, concedo-te nas minhas últimas palavras a vitória:
Sim, quero forçar-me na tua boca, deixar-me prender na tua garganta... transformar-te os gritos de satisfação em urros mudos que me façam vibrar o que de mais cru e animal há no meu corpo. Sinto uma fome cega de te foder.
As histórias não se compram, não se encomendam... mas os corpos adoram deixar-se corromper.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Libertação

Um Mundo escuro, carnal e carnívoro. Dois corpos que se comem, um ao outro, com força de fome, de sentidos, de toques.
Sabem a saliva escorrida, gritada, pedida... a ejaculações arrancadas, a gemidos gritados, a pedidos em surdina, de voz trémula, com palavras repetidas.
Toda a doçura ficou finalmente lá fora, atrás da porta, onde não a vemos, não a ouvimos, não sentimos.
Aqui, as mãos, corpos e mentes estão livres.
Não há Amor aqui. Somos livres de mandar sozinhos.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Segreda-me

A partir de uma certa hora senti a fome chegar-me ao olhar, o corpo a endurecer. Olhei cada uma das caras à minha volta, os gestos dos corpos a revelarem os segredos de cada uma daquelas intimidades.
Percorri o espaço de um lado ao outro, devagar. Cada toque de cabelo me despertava o corpo. Apetecia-me tê-los a tocarem-me ao de leve o peito, a deixarem-se agarrar na minha mão, a servirem de rédea para um corpo a arder de gritos, de fome, de prazer.
Tive olhares a pousarem no meu e a fugirem imediatamente. O olhar de um homem que se sente capaz de tudo é afinal capaz de desviar os olhos mais seguros, pertençam eles a que cara for.
Procurava olhares que me desafiassem, que não fugissem de mim, corpos que se deixassem tocar, provocar, peles que sussurrassem devagar à minha. Senti gemidos, pedidos, gritos a insinuarem-se nos meus ouvidos.
Mas não senti o animal em mim ser realmente acordado: não houve um desafio real, um olhar que desafiasse o meu, um corpo que me retribuisse a fome de domínio com domínio.
Procuro uma luta, um desafio, um corpo que me provoque a alma e o físico até ao limite, até me deixar a gritar, a pedir.
Quem és tu?

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Prisão

É aqui que me vingo dos teus jogos de Poder, das tuas provocações que me levam até ao limite.
Quando te prendo o corpo debaixo do meu e te faço minha, mecânicamente, como um animal. Porque os animais são mecânicos na sua maneira de se destruirem uns aos outros, sem piedade, sem ouvirem, sem atenderem a pedidos.
Continua a gritar, puta, pede mais.
Aqui és minha, e eu faço de ti o que eu quiser.
Joga agora, puta. Quero ver-te a tentar ganhar agora.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Persistência dos sintomas

Continuava à procura dele, das invasões ao corpo, do homem que lhe transformava os delicados lençóis em animais que lhe raspavam as costas até lhe deixare a pele em ferida.
Procurou-o em olhares de fogo nas caras dos transportes públicos, mas só encontrava olhares inertes, corpos resignados.
Desesperada, abordou um desconhecido no Metro. Não lhe interessava quem ele era, com quem se parecia. O corpo rugia-lhe numa fome que a cegava.
- Deixa-me fazer de ti um animal. Fode-me o corpo, quero ser a tua puta até ficar rouca de gemer...
O homem sorriu-lhe delicadamente, olhou para o relógio que levava no pulso e respondeu-lhe:
- Claro que sim, menina. São sete e cinquenta e quatro. - dito assim mesmo, literal ao máximo de uma boca humana.
Ela sentiu-se abater, compreendendo imediatamente tudo. Era a persistência dos sintomas: tal como quando se encontrava esmagada contra os lençóis também agora não controlava as palavras, mas agora com o efeito exactamente inverso.
Não desistiu. Queria um corpo de Homem só para ela, urgentemente, fosse ele qual fosse.
Aproximou-se outra vez do desconhecido literal. Pousou-lhe a mão ao de leve no peito, e assim encostada roçou-lhe ao ouvido:
- Não percebes?.. Quero que me enchas a boca de ti, que te venhas a agarrar-me a cabeça, a engasgar-me de ti...
O desconhecido literal voltou a dar-lhe o sorriso amável:
- Claro que sim, menina. A menina sai na próxima, e sobe as escadas à sua esquerda. Eu não é se a esta hora a bilheteira ainda estará aberta.
Ela baixou os olhos, a cara, o corpo. Saiu realmente na seguinte, sentou-se no primeiro banco e pela primeira vez em meses chorou de raiva.
"Cabrão, filho da puta. Cala-me o corpo agora, cabrão de merda."
Foi assim que a persistência dos sintomas passou a ser uma enorme e dolorosa dúvida. E não havia folheto ou especialista que ela pudesse consultar, mesmo até ao fim da doença.